The Callisto Protocol: o clichê bem feito melhor que novidades mal feitas
Primeiro jogo do estúdio Striking Distance entrega experiência sem burocracia e focada em carnificina
he Callisto Protocol conseguiu o raro feito de ser anunciado e lançado no mesmo ano, sem um adiamento sequer, algo cada vez mais improvável na imediatista indústria em que vivemos, na qual a órbita de expectativas por vezes é tão importante quanto o produto em si.
Sob o peso do ditado “a primeira impressão é a que fica”, o jogo é uma estreia da Striking Distance Studios, um time da KRAFTON, a mesma por trás de PUBG. Liderado por Glen Schofield, um dos criadores de Dead Space, o projeto carrega toda a responsabilidade que alguém com a bagagem do diretor tem, especialmente pelas inúmeras e inevitáveis comparações com a franquia da EA, outrora concebida pela extinta Visceral Games, que também assinou Dante’s Inferno e Battlefield Hardline.
The Callisto Protocol não poupou gastos no marketing – investindo em nomes conhecidos de Hollywood para dar vida aos personagens, inclusive – e quis se viralizar pela exposição de vísceras e entranhas de criaturas infectadas explodindo na tela, oferecendo um banquete de carnificina e uma “chuva vermelha” que mudaram o status de muita gente para “você tinha minha curiosidade, agora tem minha atenção”. Os holofotes colocaram essa jornada, então, no centro do palco. E já adianto: o show vale o ingresso.
The Callisto Protocol: estilo simplista
Ambientado em 2320 em Callisto, a lua morta de Júpiter, o game coloca o jogador na pele de Jacob Lee, um freelancer que acaba preso por acidente e vê uma brecha para escapar da Prisão Ferro Negro, mas não exatamente da maneira convencional. Nessa imensa instalação espacial, o protagonista testemunha um misterioso surto fazendo emergir o caos absoluto. A fuga, portanto, será o menor de seus problemas nesse pesadelo futurista.
Renunciando aos fetiches de RPG e a mecânicas desnecessariamente complexas, que geralmente poluem menus e entopem a interface com futilidades, a jornada por Callisto é entregue de um jeito simplista – jamais simplório, para que não se confunda –, focado em não atrapalhar a imersão do jogador.
Isso significa que distrações triviais, como documentos de leitura, áudios perdidos e diálogos com NPCs aparecem ocasionalmente, aqui e ali, cientes de que sua presença pausa o gameplay e a imersão. Os arquivos que você encontra têm textos curtos e falas rápidas, sem “bifão” de palavras cansando a tela, sem conversas intermináveis, sem enrolação. Televisão não foi inventada para leitura.
Claramente essa foi uma escolha de game design. Pelo lado do time de desenvolvimento/criação, houve um entendimento de que essas interrupções afetam o ritmo de terror proposto. Trata-se de um jogo “direto ao ponto”, focado em entregar a melhor poltrona para o jogador não ser interrompido em sua atmosfera. Isso se traduz também na interface, navegação por inventário, armas e habilidades: tudo é simples, singelo, enxuto, limpo e, na maior parte das vezes, autoexplicativo – mérito esse também compartilhado por Dead Space, que visivelmente serviu como base para o estúdio.
Violência como marca do gameplay
Ao longo de todas as divulgações que sucederam o seu anúncio, The Callisto Protocol fez questão de exibir uma marca: a violência. Não gratuita ou meramente estética, e sim funcional, incorporando-se ao gameplay – e, é claro, jorrando paletas de tons vermelhos na tela.
Jacob é tão vulnerável quanto os inimigos que dilacera no decorrer de sua fuga. As mortes são brutais, ilustradas em lindas animações construídas com muito esmero e riqueza de detalhes. São pequenos momentos cinematográficos feitos SÓ para isso, criando “fatalities” interessantes que incentivam o jogador a morrer de propósito apenas para vislumbrar esses instantes viscerais. O cenário pode ser sempre utilizado a favor ou contra o personagem, já que as armadilhas, oras, não sabem discernir humanos, criaturas, objetos ou qualquer coisa que possa ser mutilada lá dentro.
O combate corpo a corpo, inclusive, tem mais importância do que se imagina, com sistema de esquiva e tudo – a curva de aprendizado para acertar o timing do desvio, aliás, não é tão rápida assim, uma vez que você precisa empurrar a alavanca esquerda para um dos lados BEM antes do ataque inimigo, e não NA HORA. As armas de fogo, por sua vez, são plenamente satisfatórias no gameplay; aplausos ao time de engenharia de som por trazer uma sinfonia de esmagamentos tão agradável a nossos ouvidos.
Cartão de acesso, fusível para abrir porta…e outros objetivos conhecidos
Como um produto que ambiciona colocar o terror acima de qualquer outro aspecto, The Callisto Protocol abre mão de alguns preciosismos da modernidade. Hoje, discute-se muito sobre a importância das quests que o jogador deve cumprir, a significância delas, a alma por trás dos objetivos e mistérios a serem desvendados.
Não espere poesias da Striking Distance nesse sentido. Ser tachado de “cru”, no melhor dos sentidos, é justamente um espelho da simplicidade de seus mecanismos, o que também se reflete nas atividades que Jacob deve fazer para avançar. Rotas padronizadas, como encontrar um cartão de acesso no bolso de um cadáver ou coletar um fusível para religar a energia e abrir uma porta, são o cerne da jornada.
Alguém até poderia sugerir algo mais elaborado, tal como, digamos, queimar plantas nocivas que impedem sua passagem. Ou, quem sabe, se besuntar de carne putrefata para atravessar um trecho lotado de criaturas, à la Rick Grimes, de The Walking Dead. Tarefas que cabem ao Quest Designer, ao escritor e à direção geral definir.
Impressora 3D turbinada
Seguindo a tônica de seu antecessor espiritual, o título oferece uma impressora 3D para fabricar armas, munições e desbloquear upgrades numa árvore de habilidades extras até generosa, tanto para armas de grosso calibre quanto para o bastão de choque que Jacob carrega, além do GAR, bracelete que permite brincar com a gravidade ao puxar e lançar inimigos – útil especialmente nos cenários que contêm armadilhas.
A munição é escassa, obrigando o jogador a fazer escolhas durante a jornada, especialmente no que tange a esses upgrades da impressora 3D, uma vez que eles podem mitigar efeitos colaterais no uso da munição e dão mais inteligência ao combate.
A ideia de sobrevivência, também rotulada no gênero ao qual esse jogo pertence, pressupõe que não haverá abundância de recursos, portanto, use cura e munição com parcimônia.
Linear “raiz” – sem backtracking e sem mapa
Numa era em que mundo aberto virou praticamente estação de “bater ponto”, The Callisto Protocol é uma agulha no palheiro. O game segue a estrutura linear clássica, sem direito a backtracking, isto é, sem a ação de ir e vir livremente por ambientes já visitados. Em contrapartida, a experiência é entregue “sem cortes” na atual geração de consoles e no PC.
Alguns cenários aproveitam bem esse conceito, outros nem tanto. Jacob divide suas andanças entre locais abertos, grandes em largura e cheios de bifurcações – que nem sempre recompensam o jogador por explorar –, além de corredores fechados ou salas mais estreitas, que apontam a um único caminho óbvio.
O mapa, que também é uma antiga ferramenta do jogador de videogame, não existe aqui. Essa foi, provavelmente, uma decisão que envolveu diferentes visões e discussões dentro da Striking Distance Studios: vamos colocar bússola? Compasso? Um minimapa? Algum indicador gráfico de onde o protagonista deve ir? Há apenas elementos visuais na paleta de cores que convidam a seguir uma rota, mas como a aventura tem natureza extremamente linear, você não vai ficar perdido por muito tempo em momento algum – porém, os desavisados de plantão podem sentir falta de um mapa.
Trucide antes, pergunte depois
Em tom sadomasoquista, as armadilhas da Prisão Ferro Negro foram feitas sob medida para mutilar aberrações da natureza, e Jacob se aproveita muito desses “atalhos” – cuidando para que ele próprio não seja uma vítima.
Há queda na taxa de quadros por segundo nesses momentos de “trucidar” inimigos, com muitos maquinários rodando ao mesmo tempo; a carnificina preenche a tela de ponta a ponta, com a fartura de um rodízio de tripas, como se fosse uma sessão de matança. Por conta do excesso de renderização de violência e a intensa chuva vermelha (sangue), há um custo na performance.
E sim, há biomas diferentes para você bancar o Michelângelo intestinal nessa instalação do espaço sideral, não apenas corredores metálicos. Trechos botânicos, esgotos e outras lambanças farão você sentir o cheiro de carniça exalando da TV – aliás, há grandes momentos cinematográficos que imprimem ritmo quando necessário.
Veredito
Entre idas e vindas de algumas tentativas experimentais, The Callisto Protocol acerta muito mais do que erra, especialmente por atender a um público carente: os fãs de terror espacial, inclusive este que vos escreve. Ele é, basicamente, o melhor Dead Space desde Dead Space. Clichê? Sim, mas quem liga? Num terreno de tantas coisas novas mal feitas, um clichê bem construído talvez seja exatamente o que queríamos. E aos obcecados por tempo, espere por algo em torno de 13 a 15 horas até o fim da campanha – sempre mais para quem quiser platinar ou obter os 1.000g.
Existem ótimas escolhas na direção de arte aqui também, como a exibição de uma silhueta de inimigo no meio de uma tempestade para realçar a localização dele – sem entregá-lo por completo. Às vezes são pequenas escolhas visuais que, no panorama geral, fazem diferença (e que gráficos, aliás). Estamos falando de uma equipe apaixonada, confiante e segura de seu primeiro produto, que ganhou até documentário de produção no canal oficial. Nem todas as obras abrem suas portas desse jeito.
Dead Space, The Evil Within, Resident Evil, Alan Wake, The Last of Us e The Walking Dead são algumas das obras que passam em flashes na cabeça de quem joga, relembrando-nos de que a origem do medo reside, em sua essência, no âmago de nossas mentes, e que The Callisto Protocol é o alarme a finalmente despertar esse sentimento adormecido no subgênero de terror espacial das grandes massas.
Dito isso, apague a luz, feche as janelas, bote o fone de ouvido e jogue sem moderação.
Analisado no PS5. O jogo foi gentilmente cedido pela equipe da KRAFTON no Brasil. O Flow Games agradece o envio feito para o propósito de realização deste review.
The Callisto Protocol
Publisher: KRAFTON
Desenvolvedora: Striking Distance Studios
Plataformas: PS5, PS4, Xbox Series X|S, Xbox One e PC
Lançamento: 02/12/2022
Tempo de review: 20 horas
The Callisto Protocol mostra que o clichê bem feito pode ser melhor que muita coisa nova mal feita. É o melhor Dead Space desde Dead Space.
Prós
- Terror espacial em fina e violenta essência
- Gráficos exuberantes
- Sanguinário ao extremo
- História clichê, objetiva e “brucutu”
- Gameplay satisfatório
Contras
- Quedas de frame-rate em trechos de muita mutilação
- Objetivos rotulados e previsíveis
Comentários
Uma verdadeira carta de amor ao “gore” kkkk esse jogo é pra fechar o ano com chave de ouro!!
parece que no pc ele está bem ruim. cheio de problemas, como de costume hoje em dia nos pcs ;-;
Sou supeito em falar, mas o Mica é preciso e muito saudosista em suas análises. Ler elas é como revisitar as antigas Super Game Power, chegar deixar os olhos lacrimejando. Nada que esse homem redija é ruim. Se dependesse dessa análise pra vender o jogo, ele se venderia. Excelente trabalho sr. Micali.
Por favor, tragam o Review de Sonic Frontiers e God of War Ragnarok.
Eu ainda vi que o Sr. Gentleman Micali terminou Sonic Frontiers.
do caralho
Ótimo review