Entrevista exclusiva: Tivemos que arregaçar as mangas por Cyberpunk 2077
Em entrevista exclusiva, Jan Rosner explica o que estúdio precisou fazer para arrumar Cyberpunk 2077
que a CD Projekt Red viveu com Cyberpunk 2077 nos últimos anos é quase uma narrativa de um filme do Rocky Balboa. Um frisson de um trailer que explodiu a internet, expectativas talvez jamais vistas para um jogo, gameplays empolgantes a portas fechadas, Keanu Reeves...Bem, o mundo era colorido até o fatídico lançamento há três anos e meio e o momento que, enfim, o estúdio polonês “beijou a lona”.
E como apanhou. Apanhou de todos os lados. Apanhou entre bugs infinitos e patches e mais patches de correção, apanhou por uma certa desonestidade no lançamento das versões de Cyberpunk 2077 para PS4 e Xbox One, apanhou pelas denúncias de sobrecarga de trabalho feitas pelos desenvolvedores e ganância dos investidores pelo lucro acima da experiência final do jogo. Entre tantos outros fatores que fizeram o mercado de games global, jornalistas, influenciadores e, claro, os jogadores abrirem contagem regressiva contra a empresa. O knockout era mais do que esperado.
10-9-8-7… Mas como na conhecida Jornada do Herói – o estúdio se levantou. Engoliu o choro, entendeu os erros, e ainda que cambaleante e cheio de feridas abertas como um lutador que acabou de levar muitos jabs e cruzados, permitiu que a IP tivesse uma nova chance: quase uma ressurreição.
O que os leitores do Flow Games vão ler agora é uma das entrevistas mais completas e honestas a um veículo brasileiro de imprensa sobre tudo que a CD Projekt Red enfrentou e fez para reverter a situação de Cyberpunk 2077, que agora celebra o bom momento com a DLC premiada Phantom Liberty, o anime Mercenários na Netflix e, claro, como a empresa trabalhou arduamente para reverter a situação delicada do game. Conversamos com exclusividade com Jan Rosner, VP de Desenvolvimento de Negócios da CD Projekt Red, que não titubeia em dizer. “Refletimos sobre nós mesmos — sobre o que estávamos fazendo certo, o que precisava mudar”. E Jan ainda fala como o estúdio vê o mercado brasileiro! Confira a entrevista completa.
Como a CD Projekt Red salvou Cyberpunk 2077
FLOW GAMES – Cyberpunk 2077 chega em 2024 com um status no mercado bem mais positivo comparado ao lançamento em 2020 e todos os desafios que enfrentou. O que a CD PROJEKT RED aprendeu ao longo dessa jornada até aqui?
Jan Rosner – Foi uma jornada e tanto, na verdade. Acredito que vários fatores desempenharam um papel importante e algumas conclusões foram tiradas.
Em primeiro lugar, aprendemos a confiar em nós mesmos e uns nos outros – e, finalmente, a confiar no que é o Cyberpunk 2077. Sabíamos o que queríamos alcançar com o jogo, sabíamos do que somos capazes e também estávamos convencidos de que valia a pena investir mais na IP. Então, toda a equipe arregaçou as mangas mais uma vez. Eles trabalharam duro para dar suporte ao jogo e – após a fase inicial – para trabalhar em conteúdos adicionais, incorporar o feedback dos jogadores e expandir o jogo em si e a franquia como um todo.
Um grande tópico é a transformação pela qual o estúdio passou. Isso é algo que precisaria de horas de discussão e sendo o mais breve possível: essencialmente, toda a estrutura de produção mudou, equipes foram alteradas de equipes de especialização única que trabalhavam separadamente — como arte, tecnologia, animação, história, etc. — em equipes de conteúdo compostas por especialistas de todas as diferentes áreas trabalhando em um conteúdo de Cyberpunk 2077, como uma missão específica. Uma parte significativa de todo o processo também foi a capacidade de delegar tarefas, de melhorar a comunicação entre departamentos, de introduzir uma cooperação entre equipes melhorada e de envolver mais todo o estúdio. Como eu disse, é um tema enorme, com muitos aspectos diferentes e, definitivamente, a parte mais importante é que, em termos de produção, a empresa mudou drasticamente.
E outra coisa que me é especialmente caro – e pela qual sou responsável – é desenvolver nossas franquias. Confiar em nós mesmos e acreditar no potencial do Cyberpunk nos levou a explorar e ampliar as possibilidades da franquia. É um mundo muito rico e sabíamos que haveria muitas maneiras de contar histórias e expandir a franquia para além do videogame. Identificamos uma série de áreas nas quais queríamos atuar, e uma delas era, claro, o anime. A aclamada série Cyberpunk: Mercenários que criamos com o Studio Trigger foi um grande sucesso, mas também exploramos mais mídias. Há também o Nenhum Acaso, um livro de Rafał Kosik, vários quadrinhos, estatuetas originais e uma ampla variedade de mercadorias diferentes. E além de tudo isso, olhando para o futuro, temos um projeto live-action em andamento, que anunciamos junto com a Anonymous Content.
Resumindo: o trabalho árduo e a dedicação ao longo dos anos nos levaram até onde estamos hoje. Estabelecemos a meta, perseveramos, mas também refletimos sobre nós mesmos — sobre o que estávamos fazendo certo, o que precisava mudar. Mais importante ainda, seguimos essas conclusões e confiamos que o que estávamos fazendo valia a pena.
FLOW GAMES – O game, ano a ano desde o lançamento, foi passando por diversos patches e ajustes até chegar à versão atual, vista de outra forma pelos jogadores com avaliações bem mais consistentes. O quanto essa dedicação da empresa em ajustar o jogo foi importante para de fato entregar o que tanto os players esperavam?
J.R – Ouvir o feedback dos jogadores foi crucial. Seria difícil superestimar o papel que nossa comunidade desempenhou na formação do Cyberpunk 2077.
Em primeiro lugar, é isso que tentamos continuar a fazer: sempre a pensar nos gamers. E definitivamente compensa. Temos uma comunidade excelente e engajada que compartilha suas ideias conosco e nos inspira. Mas também somos jogadores ávidos, então, de certa forma, muitos membros da equipe de desenvolvimento apenas se perguntaram: “O que gostaríamos de fazer no jogo? O que é legal? Quais novos recursos tornariam o jogo simplesmente melhor?”.
Também sabíamos que queríamos utilizar todo o potencial dos consoles da geração atual. Uma mistura de tudo isso resultou em vários patches para Cyberpunk 2077, atualizações e muito mais. O Patch 1.5 e a Atualização para a Nova Geração obviamente ajudaram o jogo a utilizar o potencial do PlayStation 5 e do Xbox Series X|S, junto com uma série de novos recursos, como a possibilidade de comprar apartamentos e personalizar seu personagem posteriormente no jogo – além de algumas melhorias de jogabilidade, de mecânicas e muito mais.
O anime Mercenários também foi inspirador. Junto com o lançamento da série, também lançamos a Atualização Mercenários para Cyberpunk 2077 que, além de outros elementos, incluía uma breve missão secundária e conteúdo adicional — ambos ligados ao anime.
Finalmente, chegamos ao Phantom Liberty e à Atualização 2.0 para Cyberpunk 2077. Então, por um lado, uma grande expansão, nova para nós e também para o mercado: um RPG cyberpunk de suspense e espionagem. Por outro lado, uma reformulação massiva de praticamente todos os sistemas do jogo, incluindo polícia, vantagens, IA e jogabilidade. Este foi o auge do nosso trabalho no Cyberpunk 2077 e fez com que o jogo parecesse e funcionasse de maneira diferente de antes.
Mas mesmo assim a equipe não parou. Em seguida, lançamos a Atualização 2.1 para Cyberpunk 2077, que adicionou ainda mais recursos. Neste momento, trouxemos um sistema de metrô totalmente funcional para Night City. Também adicionamos o Radioport, que permite aos jogadores usar o rádio ao passear pela cidade, e a possibilidade de usar binóculos turísticos em mirantes — além de outros conteúdos.
FLOW GAMES – O quanto a recepção incrível de Phantom Liberty foi importante para a equipe do game para comprovar que a empresa estava no caminho correto depois de tantas polêmicas? Vocês viram como uma consolidação sobre o que vislumbravam lá em 2020?
J.R – Provavelmente não é nenhuma surpresa, mas este foi um grande momento para todo o estúdio. Sabíamos que a jogabilidade era ótima, tivemos sessões internas que envolveram todo o estúdio meses antes do lançamento. Nossas equipes passaram meses aprimorando o jogo, garantindo que seu estado estivesse o mais próximo possível da perfeição no lançamento. Mas quando estávamos no lançamento, aguardando as primeiras análises e o feedback dos jogadores… estávamos todos nervosos.
Quando finalmente foi lançado e percebemos como foi a recepção… sabe, é isso que você quer ver quando lança um jogo! Foi uma espécie de momento de encerramento para muitas pessoas que passaram para outros projetos, como o Polaris, e que realmente precisavam desse tipo de impulso moral. Foi também um teste decisivo para todo o estúdio – prova de que nossa transformação estava funcionando. Não se tratava apenas de mudar os processos de produção ou mesmo a atmosfera geral do estúdio, mas o mais importante, nos permitiu entregar um ótimo jogo. No final, é isso que conta para os nossos jogadores.
Então, agora podemos dizer que, junto com Phantom Liberty e todas as atualizações – incluindo a Atualização 2.0 e a 2.1 –, Cyberpunk 2077 está onde queríamos que estivesse e isso nos deixa muito orgulhosos.
FLOW GAMES – A série do Netflix acabou sendo importante de alguma forma para potencializar o melhor momento do game no mercado?
J.R – Definitivamente. Cyberpunk: Mercenários contribuiu muito para nossa política de desenvolvimento de franquias. Isso trouxe de volta o público que conhecia o Cyberpunk de antes, bem como apresentou o IP a novos públicos. Quem ainda não tinha jogado o game ficou ansioso para conferi-lo depois de assistir a série na Netflix. Os resultados foram claros: vimos um número recorde de jogadores levando o Cyberpunk 2077 a novos patamares no Steam.
E isso nos mostrou que esse tipo de abordagem faz muito sentido. Os videogames são, e obviamente continuarão, no centro do nosso negócio. Mas, ao mesmo tempo, vemos como podemos interessar o público em outros campos e apresentá-los aos mundos que estamos construindo com nossos jogos, expandindo através de outras mídias – e unindo-as perfeitamente.
FLOW GAMES – Vocês avaliam que o game de fato teve sua versão definitiva nos consoles de nova geração – PS5 e Xbox Series? Ou na concepção de vocês, após os ajustes, os jogadores dos consoles base também tiveram uma boa experiência com o game?
J.R – Continuamos melhorando o jogo para a geração anterior de consoles até setembro de 2022 – com a atualização Mercenários. Portanto, muito conteúdo, incluindo apartamentos, itens inspirados na série Mercenários, opções de personalização e melhorias técnicas chegaram ao PlayStation 4 e ao Xbox One.
No entanto, houve um ponto tecnológico além do qual isso não era mais possível. Simplificando, do ponto de vista tecnológico não seríamos capazes de entregar o Phantom Liberty e a Atualização 2.0 para a geração anterior. Tivemos que tomar a decisão de migrar apenas para o hardware da geração atual e, claro, fizemos questão de comunicar essa decisão claramente aos nossos jogadores.
FLOW GAMES – Bem, o universo de Cyberpunk seguirá com novo capítulo, como já anunciado. Qual a importância para o business CD PROJEKT RED continuar atuando neste universo e o que a companhia pensa em fazer de diferente, como business mesmo, nesta nova jornada daqui em diante?
J.R – Cyberpunk é um dos dois principais IPs que desenvolvemos. Seu futuro novo capítulo também é um novo capítulo para a CD PROJEKT RED, já que a continuação do Cyberpunk 2077, chamado de Projeto Orion, será desenvolvida por nossa equipe recém-criada em Boston, EUA, e nossa equipe em Vancouver, Canadá. O núcleo da equipe de desenvolvimento já está em Boston e começamos a contratar, então estamos definitivamente aumentando nossa experiência na América do Norte.
O Orion também não é a única coisa que ampliará o mundo de Cyberpunk no futuro. Temos evidências mais do que suficientes para provar que esta franquia tem um potencial incrível – graças ao anime, aos quadrinhos de sucesso (a propósito, Cyberpunk 2077: Big City Dreams recebeu o Prêmio Hugo!) e aos excelentes produtos que nossos jogadores adoram. Definitivamente, estamos planejando conteúdos diferentes em todos os tipos de mídia e, como mencionado, nosso live-action com a Anonymous Content é um exemplo disso.
FLOW GAMES – Aqui mais uma pergunta de negócio: faça uma projeção das expectativas do negócio da CD PROJEKT a partir de agora com os novos projetos, neste momento menos conturbado, e como avaliam o mercado brasileiro e da América Latina para a companhia?
J.R – O Brasil e toda a América Latina representam um mercado importante para a CD PROJEKT RED. Nós nos esforçamos para levar nossos títulos aos jogadores do continente da melhor forma possível, de acordo com suas preferências. Mantemos contato direto com nossa comunidade brasileira e localizamos nossos jogos para o português brasileiro com narração e legendas. Também oferecemos legendas em espanhol para a América Latina e estamos ansiosos para trazer mais jogos nossos ao mercado no futuro.
E temos muito em nosso pipeline. A equipe que desenvolve Polaris – o novo jogo de The Witcher – continua crescendo e deve atingir 400 funcionários até o meio deste ano. E essa é apenas a primeira parte da trilogia! A equipe do Projeto Orion, em Boston, acaba de contratar alguns veteranos do setor e continuará recrutando ainda mais.
Outra coisa que também é muito importante para mim é o Projeto Hadar, nosso próprio IP que começamos a desenvolver e do qual faço parte desde os primeiros dias. Está em uma fase extremamente inicial, mas está tomando forma e estamos entusiasmados em explorar essas novas ideias. Depois, há ainda o Canis Majoris, o remake do primeiro jogo de The Witcher e também Sirius, uma nova versão da franquia The Witcher. Temos muito trabalho pela frente, mas também muitos projetos interessantes já em andamento!
Comentários