Review: novo Prince of Persia é “cru”, mas diverte horrores
Prince of Persia: The Lost Crown traz conhecido metroidvania, mas dá novo frescor à franquia em confecção artesanal
esde que foi anunciado, Prince of Persia: The Lost Crown me trouxe um ponto específico de carinho e atenção: o estúdio responsável por sua criação, Ubisoft Montpellier.
Composto por uma equipe de artistas mais, digamos, “artesanais”, esse grupo confeccionou os brilhantes Rayman Origins e Legends, além de estar com a solene responsabilidade do sumido Beyond Good and Evil 2, cujo escopo já se tornou, a essa altura do campeonato, desconhecido.
Indo na contramão de muitas expectativas, o anúncio desse novo Prince of Persia dividiu opiniões: depois de tanto tempo, Ubisoft, vocês trazem um 2.5D cartunesco que tem o metroidvania como cartão de visita? Com tantas possibilidades que essa franquia apresenta? Sendo a primeira nova entrada da série após mais de 13 anos, depois de Forgotten Sands, que é de 2010?
A resposta, que envolve coragem, é um brado sim. E, embora isso também seja subjetivo, talvez tenha sido uma acertada decisão.
Prince of Persia: The Lost Crown é eficiente e às vezes “cru” até demais
Conforme mencionado em prévia publicada anteriormente aqui no Flow Games, “atitude” pode ser um dos melhores termos a definir a aventura, que tem a híbrida capacidade de resgatar um pouco da essência clássica dessa emblemática franquia e, ao mesmo tempo, imprimir um toque moderno da exaustiva receita do metroidvania, aqui adaptada aos parâmetros atuais.
Esse projeto da Ubisoft se distancia do padrão “blockbuster caro” em prol de algo mais exótico e confeccionado “à mão”. O game coloca o jogador na pele do protagonista Sargon, que deve viajar à cidade amaldiçoada de Mount Qaf para resgatar o Príncipe Ghassan.
O estilo gráfico e toda a concepção de gameplay dividiram minha atenção em dois blocos: em um, eu estava encantado, feliz pelas escolhas artísticas que culminaram num produto tão eficiente, compatível com tantos dispositivos e ao alcance de qualquer jogador entender.
Por outro lado, não consegui me esquivar da ideia de achar tudo simples demais, no sentido de ambição mesmo, de escopo, de pegar, digamos, um Ori and the Blind Forest da vida, ou, indo além Ori and the Will of the Wisps, e colocá-los num inevitável comparativo – afinal, são jogos que usam o mesmo cartão de visita.
Em alguns momentos, o visual transmite esse semblante “cru”, que por vezes recicla cenários e animações, embora, lá no meu âmago, eu chegue ao entendimento de que essa foi uma deliberada escolha de design, isto é, uma decisão artística tomada provavelmente no início do projeto. É um trabalho de “artista conversando com artista” – e, nesse diálogo, às vezes o jogador pode estranhar.
Em contrapartida, eu, particularmente, estava com saudades dessa Ubi mais experimental, sim, a mesma de Child of Light, Valiant Hearts, Rayman…
História com rico material persa
O enredo carrega um rico conteúdo bruto da mitologia persa, que não é tão popular ou explorada quanto, por exemplo, os mitos gregos ou nórdicos, sempre com Zeus, Thor, Odin, Poseidon e bla bla bla.
O level design é um grande empreendimento do metroidvania e, aqui, está muito bem executado
Prince of Persia: The Lost Crown expande a nossa visão com um folclore diferente e lotado de histórias, inclusive a do Rei Darius, conhecido como “Rei dos Reis”, que governou de forma justa e moderada. Várias criaturas mitológicas da antiga Pérsia trazem contos sobre vingança, confiança, lealdade e outros alicerces de códigos de guerra.
A premissa simples, que começa com uma mera missão de resgate, logo toma ares políticos que envolvem intrigas, traições, reviravoltas e outros segredos. A narrativa se esforça para ser imprevisível e até que consegue em alguns momentos, mesmo que apresentada de forma despretensiosa.
Aliás, dica fundamental: jogue na dublagem persa! O game oferece essa opção e ela definitivamente traz uma camada adicional de imersão.
Gameplay: combate, acrobacias e MUITA exploração
A conhecida mesclagem de saltos giratórios, esquivas e golpes funciona com bastante eficiência para as travessias do mapa. A fórmula você já conhece: explore, colete um upgrade, seja recompensado com dinheiro/equipamento e retorne a pontos já visitados para poder acessar novas áreas. O ir e vir, ou “backtracking”, como gostam de chamar, é inerente a esse tipo de experiência.
O level design é um grande empreendimento do metroidvania e, aqui, está muito bem executado. O mundo é interconectado de forma inteligente e há boa distribuição de recompensas e habilidades coletadas para convidar o jogador a uma exploração integral pelo mapa. E há MUITO mais do que parece à primeira vista.
Os segredinhos pelo mundo escondem tesouros, colecionáveis e missões secundárias, além de escrituras sobre a mitologia persa e alguns dos deuses que lá habitam. Maleável e acessível em termos de dificuldade, sim, tanto na exploração quanto no combate – jogue à sua maneira e defina seu termômetro.
A ideia de cutucar o tempo como epicentro dos fatos continua interessante: Prince of Persia: The Lost Crown explora o espaço-tempo em diferentes percepções – e brincar com essas possibilidades temporais sempre foi um charme da franquia.
No combate, além do tradicional sopapo de comandos que envolvem esmagamento de botões, há oportunidades de contra-ataques poderosos após um brilho amarelo do adversário. Usar a defesa na hora certa pode desencadear vistosas animações na tela – só faltou o sangue, mas já já falo sobre isso.
Um Prince of Persia não é um Prince of Persia sem enigmas de cenário, certo? Em 2.5D, isso se torna ainda mais desafiador; é preciso ser inventivo e engenhoso para criar quebra-cabeças inteligentes com essa limitação de perspectiva. Para nosso deleite, The Lost Crown acerta na mosca com puzzles bem elaborados, especialmente na segunda metade do jogo, que traz uma bem-vinda mudança de ritmo com as habilidades temporais que Sargon absorve.
Faltou…sangue?
O primeiríssimo Prince of Persia foi lançado pelo criador Jordan Mechner lá atrás, em 1989, quando a franquia nem pertencia à Ubisoft (e sim, nos anos 90 você digitava “Prince” no DOS para acessar o game). Além da passagem do tempo em si compor um elemento de gameplay que pressionava o jogador – 60 minutos para resgatar a donzela! –, outro fator te “oprimia” de uma forma que você talvez nem se dava conta: a brutalidade.
Prince of Persia é sombrio e sempre teve muito sangue – ou ao menos foi concebido assim. É espinho penetrando nas entranhas e jorrando sangue na tela, é espada e rebeldia com metal estourando os tímpanos, exatamente como fez Warrior Within, o segundo da trilogia Sands of Time.
Portanto, talvez The Lost Crown tenha sido…cartunesco até demais? Faltou visceralidade? Um sanguinho aqui ou ali, que fosse? Não há nada. Senti falta de algo mais “realista” e pesado nesse sentido – o jogo é leve e puro demais, sem malícia nem maldade alguma, dadas as proporções interpretativas que essas colocações devem ter.
Veredito
Embora seja familiar e não apresente inovações, Prince of Persia: The Lost Crown, dentro de sua execução como um metroidvania, oferece um pacote robusto e satisfatório. A duração é generosa, guardadas as dimensões, com cerca de 20 horas na rota principal e 25 a 30 para os 100%.
Poderia ser mais ambicioso? Sim. Ter uma gotinha de sangue que fosse? Com certeza. Ter um escopo maior mesmo nessa pegada artesanal? Talvez. Mas, tal como está, é um produto que espora carinho e dedicação ponta a ponta, de um time mais artesão da Ubisoft.
O tempo dirá como Prince of Persia: The Lost Crown se sustenta no longo prazo. Como um fã de metroidvania, me diverti horrores com esse jogo. Como um fã de Prince of Persia, tive sabores mistos e espero ver ainda mais títulos daqui para frente – por favor, Ubisoft, não precisa deixar a série mais de uma década na geladeira não, tá?
Prince of Persia: The Lost Crown está disponível a partir de 18 de janeiro de 2024 para PS5, PS4, Xbox Series X|S, Xbox One, Nintendo Switch e PC.
Analisado no PS5. O jogo foi gentilmente cedido pela Ubisoft Brasil para a realização desta análise.
Prince of Persia: The Lost Crown
Publisher: Ubisoft
Desenvolvedora: Ubisoft Montpellier
Plataformas: PS5, PS4, Xbox Series X|S, Xbox One, Switch e PC
Lançamento: 18/01/2024
Tempo de review: 25 horas
Artesanal, Prince of Persia: The Lost Crown diverte horrores como um metroidvania e deixa sabores mistos como um Prince of Persia
Prós
- Metroidvania bem executado e com ótimo design de mapa
- Expande a nossa visão com uma rica mitologia persa
- Retoma a Ubisoft mais experimental e artesanal
- Exploração convidativa e duração generosa
Contras
- Faltou sangue, faltou algum “peso”, algo mais bruto
- “Cru” até demais em alguns aspectos
Comentários
Às vezes, não é preciso reinventar a roda ou aprimorá-la; basta reproduzi-la.