Review: Ultros é uma viagem bizarra ao estranho e bonito
Numa roupagem exótica, Ultros tem gameplay redondinho e trilha sonora do Peru
um primeiro olhar, a descrição de Ultros pode assustar: trata-se de um metroidvania psicodélico em que o personagem principal – na verdade “a”, o que só se descobre numa fase intermediária do enredo – bate sua nave num lugar batizado de “Sarcófago”, um útero cósmico gigante, à deriva nos confins do espaço sideral, que abriga um antigo ser demoníaco que dá nome ao jogo.
Bizarro o suficiente? Calma: presa no loop eterno de um buraco negro, a protagonista terá de explorar esse local inóspito e conhecer seus habitantes para entender seu papel na jornada. Soou místico o bastante? Exótico e diferentão? É exatamente esse tom pitoresco e de autodescoberta que dá a Ultros tanta identidade.
É nesse mundo alienígena único que a jornada se apresenta, contando com a clássica fórmula do ciclo de vida e morte, que tanto ditou tendências no selo “rogue”. No entanto, há importantes pitadas que buscam incrementar a experiência: a trilha sonora artesanal, captada a partir de sons reais da natureza do Peru, o visual artístico, os diálogos rebuscados…
O estúdio sueco independente Hadoque literalmente “viajou” ao fazer esse jogo – e digo isso no bom sentido. Vamos aos detalhes.
Ultros: 6 anos de pesquisa e muita técnica
Sob o rótulo de “místico”, esse metroidvania é resultado de nada menos que 6 anos de pesquisa, e o Peru foi fundamental para a realização do projeto. “Foram 6 anos fazendo pesquisas. Peru sempre foi um sonho”, contou Oscar Ratvader Rydelius, o responsável pela sonorização do título, em entrevista ao Flow Games.
A atmosfera costuma ser elemento de suma importância em jogos metroidvania. Isso porque eles têm uma natureza solitária, e até certo ponto contemplativa, entre o ir e vir das andanças que o jogador faz, sempre com a chavinha “novas descobertas” ligada no talo.
Nesse sentido, o cenário é crucial para contar histórias sobre aquele lugar, aquela civilização, aquela cultura. Ultros não é diferente: cada escolha artística foi minimamente pensada para dar ao jogador a sensação de caminhar num local senciente, mas não necessariamente ameaçador, e sim apenas exótico, diferente do habitual, que é como toda a estética da aventura se constrói. Identidade é um acerto muito grande de Ultros.
Gameplay: combate, exploração e ciclos
Sim, o conceito de “ciclos”, hoje tão popular devido à ascensão do subgênero rogue, foi aplicado em Ultros, mas não exatamente da forma convencional: ao morrer, você não perde tudo e nem retorna ao ponto de origem. Em vez disso, renasce no habitual checkpoint denotado por esferas que salvam o progresso.
Há uma pequena manobra na fórmula: ao derrotar chefes e com o avanço costumeiro da jornada, o próprio game te joga de volta para o início do ciclo, em que você perde armas e pode manter algumas habilidades permanentemente, num sistema de escolhas e atributos de uma árvore.
O clima de Ultros é realmente especial. A trilha sonora, embalada por sons reais captados nas florestas do Peru, ajuda a construir uma relação quase que simbiótica entre a protagonista e o ambiente
Isso faz parte da maneira como Ultros retrata sua história e tem uma explicação um pouco mais plausível e “menos cansativa” do que o simples morrer-e-fazer-tudo-de-novo.
O combate ganha tons de “alfaiate” ao bonificar o jogador que fatiar inimigos usando golpes variados, e não repetidos. Cada monstro derruba partes de seu corpo, e estas podem ser usadas como alimento ou item de upgrade. Só que, se você não for um bom açougueiro, ficará com a carcaça maltratada – que rende menos em tudo, obviamente. É um aspecto interessante para convidar o jogador a alternar suas abordagens de combate.
Como manda a cartilha do metroidvania, as travessias também melhoram com o tempo (pulo duplo, gancho etc), mas lembre-se de que até essas ferramentas são perdidas ao início de cada ciclo – o que pode, invariavelmente, cansar aqueles não muito acostumados à receita rogue.
Mas o clima de Ultros é realmente especial. A trilha sonora, embalada por sons reais captados nas florestas do Peru, ajuda a construir uma relação quase que simbiótica entre a protagonista e o hostil Sarcófago, em tons mais contemplativos durante a exploração e agressivos em batalhas contra chefes.
História e diálogos rebuscados (até demais?)
Conforme mencionado, a trama distinta de Ultros pode pegar os desavisados de calças curtas. Os diálogos não são exatamente fáceis de digerir, e às vezes o jogador parece estar “assistindo” a tudo que está acontecendo do que propriamente vivenciando aquilo. Consegue pegar a nuance nessa diferença?
O lado positivo dessa abordagem tão rebuscada nos textos do jogo é que, se à primeira vista parecem desconexos demais, num segundo olhar mostram, na verdade, que houve uma tremenda liberdade artística no desenvolvimento de Ultros – do tipo, tiraram as melhores e mais inusitadas ideias da caixa e as aproveitaram sem restrições.
A dica que eu deixo é não se esforçar tanto na interpretação de tudo que está acontecendo e simplesmente se deixar levar pela toada do game que naturalmente as coisas se desenrolam melhor com o tempo.
Veredito
Meio Castlevania, meio Metroid e meio rogue, Ultros tem seu maior trunfo na identidade, reforçada por uma trilha sonora artesanal que se combina a um estilo visual único.
Embora tenha suas camadas de profundidade e interpretação, a história “sem coleira”, desenvolvida lentamente e fora de ordem, pode deixar alguns indagados, mas não sem antes extrair algum tipo de admiração do jogador.
Tudo isso mostra um produto autoral, o esquisito que é bonito, sem aquele monte de vícios da indústria e muito bem embasado em seus pilares artísticos. Você pode estranhar, mas esse gostinho excêntrico costuma ser o charme.
Testado no PS5. Uma cópia de Ultros foi gentilmente cedida pela Kepler Interactive/TheoGames para a realização desta análise.
Ultros
Publisher: Kepler Interactive
Desenvolvedora: Hadoque
Plataformas: PS5, PS4 e PC
Lançamento: 13/02/2024
Tempo de review: 20 horas
Como um metroidvania moderno, Ultros tem seu maior trunfo na identidade artística. O "exótico ao extremo" pode estranhar e agradar
Prós
- Estilo artístico único, com trilha e visual exóticos
- Combate e exploração satisfatórios
- Esquema de ciclos é amigável
- Chefes marcantes
Contras
- História malucona e rebuscada fará alguns estranharem
- Pode demorar um pouco a engrenar
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