Review: Black Myth Wukong é bem mais que uma tech demo
Desde seu anúncio, Black Myth Wukong trouxe dúvidas se a qualidade corresponderia; spoilers: superou bastante
ez ou outra, vemos alguns projetos promissores que mostram trailers incríveis e, de certa forma, até inacreditáveis – especialmente quando são de desenvolvedoras novas. Esse foi o caso de Black Myth Wukong, anunciado em 2020, e que chamou muito atenção por sua ambientação rica e seus gráficos impressionantes (antes de a nova geração despontar, vale lembrar).
Até ano passado, muitos fãs ainda estavam receosos com Black Myth Wukong: poucas pessoas jogaram durante a Summer Game Fest, as impressões eram limitadas, trailers sempre pareciam bem-produzidos e sem muito gameplay contínuo. Entretanto, a desenvolvedora Game Science conseguiu atingir e, para alguns, até superar expectativas.
Certamente, Black Myth Wukong foi uma das gratas surpresas que, infelizmente, não temos com tanta frequência na indústria hoje em dia, especialmente no segmento de jogos AAA, com um trabalho bem polido, ideias interessantes e uma narrativa instigante.
Após quase 40 horas de jogatina (para quem esperava 15), muitos chefões e histórias interessantíssimas, o game pode não ser uma obra-prima atemporal, mas certamente põe em xeque muito do que temos visto de produtoras ocidentais nos últimos anos, que requenta o mesmo arroz com feijão. Confira a nossa análise completa!
A Jornada ao Oeste reestilizada
Se você acompanhou algo de Black Myth Wukong, você sabe que a trama do game se apoia na lenda da Jornada ao Oeste, romance chinês do século XVI que conta a história de um monge que viaja para a Índia (no oeste da China) para encontrar pergaminhos sagrados do budismo.
Apesar do nome, no jogo controlamos um descendente de Sun Wukong que tem uma jornada árdua pela frente: encontrar 5 relíquias que podem reviver o corpo do rei-macaco que reside enclausurado em uma pedra por séculos – no início da aventura, vemos Wukong desafiando a corte celestial e sendo punido.
Independente se você adora a Jornada ao Oeste ou nunca tenha visto nada sobre o clássico chinês, Black Myth Wukong traz uma apresentação soberba e regada de elementos históricos, culturais e folclóricos da China. E, não sei vocês, mas para mim foi um deleite aproveitar uma ambientação que foge das temáticas tão batidas da atualidade.
E, por ser produzido por um estúdio chinês, há um carinho especial em retratar o folclore nacional. A história tem retoques de jogos da FromSoftware e pode ser difícil de acompanhar, mas é bem mais palatável e compreensível do que poderia esperar. As animações são espetaculares, a direção de cutscenes é digna de ser comparada com grandes estúdios da atualidade e há muito material rico para aproveitar.
Os personagens de Black Myth Wukong esbanjam personalidade, as animações variadas no fim de cada capítulo são de brilhar os olhos e todo o conteúdo folclórico permeia a campanha do começo ao fim, com ambientes impressionantes, inimigos extremamente criativos e, principalmente, chefões memoráveis. E as animações de fim de capítulo? Embasbacantes! Cada uma com uma direção de arte e técnica diferente!
Se a representação ou a adaptação do romance original são fiéis, não tenho competência para julgar; mas no que importa, que é trazer esse sentimento de explorar um mundo fantasioso e nos colocar imersos na temática, Black Myth Wukong tira de letra.
Porém, é inegável que ter conhecimento prévio sobre o livro Jornada ao Oeste parece ser um requisito para extrair o que você precisa para entender a trama convoluta, entender as referências e as conexões com seu material de origem. É uma história boa, tem momentos tocantes, mas não é a mais palatável que você vai encontrar.
Graficamente estonteante
Aliado a toda essa ambientação e representação tão interessantes, é inegável que os visuais de Black Myth Wukong são de outro planeta. Se há um jogo que grita “nova geração”, é esse. Na verdade, ele está mais para um jogo que exemplifica o poderio do PC sobre consoles: ter tudo no Cinemático, Ray Tracing no Ultra e mais torna a experiência praticamente em um filme de CG jogável.
Em muitos anos, não me lembro de um game que tenha exigido tanto da GPU: sem usar DLSS para reconstrução e DLSS 3 com geração de frames, é difícil pensar como um computador consiga extrair todos essa apresentação visual (e não é à toa que a NVIDIA seja uma das parceiras da Game Science). Lindíssimo e espetacular? Sim, mas tem seu preço para ser jogado no Ultra.
Mesmo em uma Geforce RTX 4090, jogar em 1440p rendeu uma média de 90 a 100 fps com o DLSS Qualidade e com geração de frames. Obviamente é uma performance muito mais do que aceitável, mas acho que nunca tive um game tão pesado em mãos. Tão pesado que, sem a geração de quadros, 60 fps quase não é possível.
Mas estaria mentindo se dissesse que Black Myth Wukong é um jogo mal otimizado no PC, já que desligar o ray tracing e diminuir os presets para outras categorias (vale lembrar o que o “Cinematográfico” nem deveria ser possível de escolher, já que é um modo dedicado para cutscenes, mas a Game Science deixou a opção disponível) garante uma jogatina relativamente tranquila. Até mesmo o ROG Ally dá conta de rodar com certa eficiência.
Eu não testei a versão de PS5 de Black Myth Wukong e não sei julgar como as coisas estão por lá, mas há relatos de quedas de frames e input lag relativamente alto por usar geração de quadros a partir de 30 fps para atingir uma performance mais fluida.
Porém, diferente do que os materiais originais pareciam indicar, Black Myth Wukong não pode ser reduzido a uma mera tech demo, já que surpreende em diversas mecânicas e muitos desafios bem interessantes.
Flerte com soulslike, mas com DNA diferente
Até os 48 do segundo tempo, muitas pessoas ainda achavam que Black Myth Wukong seria um soulslike. E não é para menos: a barra de vigor, uma única dificuldade, lutas constantes contra chefões, pontos de descanso e muito mais davam a entender que essa era a maior referência. Entretanto, conforme dito pela própria Game Science, o título não está dentro do gênero, já que a principal inspiração foi God of War de 2018.
Porém, uma coisa é falar, outra é agir. Na prática, é inegável que Black Myth Wukong tem sim elementos de soulslike e bebe da fonte da FromSoftware em muitos de seus sistemas. Em contrapartida, também é evidente que ele não tenta emular o estilo e entrega uma experiência que mistura gêneros e mecânicas que aqui achei uma abordagem bem mais interessante.
Se tivesse que resumir rapidamente onde Black Myth Wukong se encaixa, talvez o palpite mais preciso seja em um jogo de ação e aventura com elementos de RPG, com seus atributos aqui e ali, armaduras com resistências específicas, itens, habilidades, skills passivas e mais.
Talvez seja controverso, mas Black Myth Wukong para mim tem um gameplay crescente em qualidade, chegando a um ponto bem satisfatório e divertido, mas nunca atinge um ápice. Os combos são pouco variados, apesar de trazer três posturas diferentes (com ataques especiais bem legais, por sinal), mas isso acaba sendo compensado pelas inúmeras habilidades e outros recursos.
Ao longo de sua jornada, o protagonista terá acesso a diversas skills interessantes, como a paralisia dos adversários, uma defesa de pedra impenetrável, passos invisíveis para distrair os inimigos, transformações que encontra durante sua jornada e muito, muito mais.
Essa dinâmica de rotação de habilidades traz um dinamismo maior ao combate de Black Myth Wukong e pode ser combinada com os ataques corpo a corpo, garantindo um espetáculo durante as batalhas. Entretanto, também achei um tanto limitado ter poucos combos corpo a corpo, que podem ser variados com as diferentes posturas para ataques pesados diferentes – mas passa longe de complexidade de um hack ‘n slash ou até de God of War de 2018, título que o inspirou.
Além disso, há poucas opções para recuperar a mana durante toda a campanha, apesar de isso ser corrigido de algumas maneiras mais para o fim da aventura com modificadores do Porongo (item de cura). Apesar de haver diferentes abordagens e “builds”, não achei que os diferentes pontos da árvore de habilidades transformam e expandem tanto o sistema de lutas.
Pelo menos há um sistema interessante para gastar seus pontos: você pode a qualquer momento remanejar os atributos da árvore de habilidades, trocando totalmente como quer abordar chefões e desafios pelo caminho. Particularmente, isso é algo que poderia ser o padrão em muitos títulos por aí, já que incentiva a experimentação.
Black Myth Wukong é bem divertido de jogar, de verdade. Há mais destaques do que pontos baixos, mas acho que, no fim do dia, faltava aquele caldinho extra para diversificar as batalhas. Em outros jogos, isso é ofertado com armas novas, combos bem variados e por aí vai, mas aqui o impacto não é tão significativo. Em contrapartida, há um outro pilar da aventura que rouba os holofotes.
O grande destaque mesmo fica na outra ponta da equação: os chefes. Há uma miríade de adversários, dos mais simples aos mais complexos, e todos têm algo a agregar durante a Jornada ao Oeste. Você vai encontrar os humanos convencionais, os monstrengos quadrúpedes extremamente bem-animados e cheios de golpes marcantes, criaturas grotescas e muito mais.
Contudo, certos chefões em particulares são brilhantes. Vou evitar comentar muitos deles para evitar spoilers, mas há alguns que realmente usam a temática do game a seu favor na hora de mudar o gameplay, como um peixe que usa elementos de yin e yang, insetos gigantes, dragões e muito mais.
E, complementando os momentos de porradaria, está o senso de descoberta expansivo e exponencial de cada capítulo, que sempre reserva áreas extras que trazem um charme extra para a jornada.
Recheado de segredos para encontrar (mas também muito filler)
A dinâmica de Black Myth Wukong é relativamente simples, mas ainda prazerosa de gastar dezenas de horas. Durante 6 capítulos, você vai explorar cenários diferentes da China e derrotar (muitos) chefões bem criativos. Tanto que, por uma boa dezena de horas, o game mais parece um boss rush, mas logo as coisas se expandem.
No geral, essas seções de explorações variam entre algo recompensador por se aventurar fora da sua rota e parte tediosas – especialmente no capítulo 3. O ritmo de novidades é inconsistente entre alguns capítulos e podem deixar a peteca cair em certas partes, boa parte por culpa do level design um tanto confuso que se expande para múltiplas direções e não amarra todos os elementos de uma maneira graciosa.
Mas até nisso a qualidade pode variar caso a caso: alguns capítulos são bem menos convolutos e refinados, enquanto outros podem ser labirintos sem referências visuais claras – talvez pelo estilo artístico tão realista fosse necessário implementar certos marcos ou elementos mais reconhecíveis.
Nessa mesma entoada, é um pouco difícil entender quais partes do cenário são exploráveis, quais contêm paredes invisíveis, quais locais você pode explorar ou escalar, o que é uma passagem bloqueada e o que é meramente ilustrativo. Todos esses problemas não tiram o brilho da experiência, mas carecem de uma finesse que vemos em outros games.
Entretanto, Black Myth Wukong também tem sua dose cavalar de novidades interessantes que recompensam os mais dedicados. Todo capítulo tem uma área secreta maior, contendo chefões, personagens, cenários extras e muito conteúdo e todos foram muito bons para aproveitar – especialmente no Capítulo 6! Revisitar cenários e se deparar com novidades incríveis é sempre um deleite.
E, em contrapartida, também achei que ir de um ponto A até um ponto B geralmente envolvia matar inimigos que não ofereciam muitos desafios. Isso progride a cada capítulo, mas não é tão consistente, quase como uma ideia que surgiu no fim do desenvolvimento. Não é ruim quanto a internet fez parecer (e definitivamente não é um boss rush), mas está longe de apresentar um nível de excelência por toda a campanha.
Black Myth Wukong vale a pena?
Black Myth Wukog é uma das mais gratas surpresas de 2024. Divertido, lindo, vistoso e recheado de desafios e segredos para enfrentar durante mais de 40 horas de campanha – quando todos achávamos que o jogo poderia ser uma farsa bem-produzida com duração de 15 horas.
Por ser o primeiro game AAA da Game Science, é um exemplo de como a indústria de AAA ainda tem espaço para respirar, trazer novas ideias e cativar com experiências fora da caixa, mesmo que por baixo do capô não tenhamos um gameplay tão diferente do que o mercado já viu.
Apesar de bem divertido e regado de conteúdo, Black Myth Wukong ainda estampa alguns pontos de uma desenvolvedora novata, como mecânicas não tão profundas, algumas limitações no escopo do projeto, level design não tão requintado, ritmo inconsistente de alguns capítulos e pequenos problemas técnicos.
Entretanto, mesmo com sua dose de falhas, sua ambição e megalomania de entregar uma campanha tão emblemática ofuscam bastante de suas ressalvas, com uma campanha expansiva e cada vez mais prazerosa. Mais uma vez, devs orientais estão provando que há mais do que live services e estruturas engessadas para explorar.
No fim, Black Myth Wukong pode agradar muito perfis que apreciam campanhas vistosas e cheias de requintes, mas pode não ser a oitava maravilha do mundo para quem busca um novo título de ação complexo.
Black Myth Wukong foi gentilmente cedido pela NVIDIA para a realização desta análise.
Black Myth Wukong
Publisher: Game Science
Desenvolvedora: Game Science
Plataformas: PS5 e PC
Lançamento: 20/08/2024
Tempo de review: 35 horas
Black Myth Wukong não é um jogo perfeito, mas considerando um estúdio estreante no campo AAA, as qualidades sobressaem os defeitos
Prós
- Um dos jogos mais bonitos da geração (sem discussão)
- Representação folclórica e cultural soberba
- História dispersa, mas muito proveitosa
- Combate oferece uma boa dose de diversão
- Lutas contra chefões muito memoráveis
- Campanha longa e com muito conteúdo opcional
Contras
- Level design mais limitado e um pouco confuso
- Sistema de combate não é tão profundo
- Ritmo da progressão pode ser incosistente
Comentários