Coluna: Xbox multiplataforma seria tão ruim quanto parece?
Os rumores sobre o Xbox adotar uma estratégia multiplataforma revoltaram os fãs, mas o que isso significaria na prática?
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No último domingo (4), os fãs de Xbox compartilharam milhares de tweets e opiniões nas redes sociais sobre rumores fortes de que a marca pode se transformar em multiplataforma no futuro breve, chegando para PlayStation e Nintendo Switch, algo que não caiu bem com a base de seguidores.
Apesar de sequer estar oficializado, o boato veio de fontes de confiança, como Jez Corden (Windows Central), Tom Warren (The Verge), Jon Clarke (Xbox Era) e muitos outros, dando força às informações extraoficiais – mas Phil Spencer confirmou que dará uma declaração em breve sobre as mudanças.
Mesmo sem uma confirmação direta até o momento, a notícia não é uma grande surpresa. Afinal, cada vez mais evidências já apontavam para Hi-Fi Rush e Sea of Thieves chegando ao PlayStation e Switch, além de declarações de Satya Nadella, CEO da Microsoft, darem a entender que a marca pode expandir para outras plataformas.
Porém, em meio a tantas revoltas e descontentamento, será que essa estratégia é ruim? E, se sim, ruim para quem?
Xbox multiplataforma: bom para Microsoft, ruim para os fãs
Não é de hoje que o Xbox passa longe de liderar a indústria de games. Na realidade, a marca sempre esteve em terceiro lugar entre os três grandes nomes – e, na geração de maior destaque, o 360 acabou sendo superado pelo Wii. No fim do ciclo, pelo PS3 também (basta buscar os dados de vendas de consoles).
Essa percepção sempre esteve em pauta, mas o que era especulação se consolidou durante o processo da compra da Activision Blizzard King, com Phil Spencer dando diversas declarações sobre o estado atual da divisão de games da Microsoft – assim como soubemos no caso da Epic Games que o Xbox nunca lucrou com vendas de consoles em sua história.
Entre as informações que tivemos desse processo legal da aquisição, vimos que o Xbox Game Pass gera bastante receita, mas não sabemos sobre o lucro e a rentabilidade do serviço no longo prazo (que nunca cresceu conforme o esperado), algo que já gerou discussões sobre a criação de um modelo gratuito com anúncios em alguns mercados.
No ano fiscal de 2022, por exemplo, era esperado que o Game Pass crescesse 73%, mas conseguiu apenas 28%; já em 2023, a divisão de jogos da Microsoft deveria ter crescido 4,4% ao todo, mas chegou em apenas 0,7%. Metas não atingidas, mudanças de bônus do salário de Satya Nadella que excluem previsões do Game Pass e abordagens mais acessíveis para crescer a base de assinantes geram alerta.
Os comentários de Phil Spencer e Satya Nadella sobre o ecossistema Xbox estar em todos os lugares é recorrente, mas sempre se creditou esse discurso à expansão da nuvem, um dos pilares em que o mercado aposta no futuro de longo prazo para games. Entretanto, esse pode não ser o caso.
A realidade é que a Microsoft ainda não tem uma operação tão rentável quanto os concorrentes: o Switch continua a dominar em vendas e tanto o Xbox One quanto o Series X|S têm números bem inferiores aos do PlayStation 4 e 5. Neste cenário, abrir os jogos exclusivos para outras plataformas é uma opção de crescimento de renda.
Sem sombra de dúvidas, seria uma boa estratégia para o crescimento do Game Pass caso ele chegue aos consoles concorrentes e uma maneira de viabilizar a produção de títulos first-party, já que as vendas em outras plataformas agregariam ao lucro da companhia. É uma decisão de mercado muito viável e que faz sentido sob a ótica da indústria.
Entretanto, isso não cola bem com os fãs. Sabemos que os títulos exclusivos não são as fontes mais lucrativas de uma plataforma, mas eles certamente são um dos apelos que compelem os jogadores a manter sua fidelidade e atenção à marca. Neste ponto, a empresa pode estar traindo sua própria base.
Anos de aguardo podem não compensar
Desde a geração Xbox One, a Microsoft patinou em alcançar o prestígio de outrora, como vimos no 360. Diversas decisões controversas, pouca variedade no catálogo e títulos que poucas vezes estiveram a par da concorrência marcaram alguns bons anos da companhia. E, mesmo assim, a base fiel sempre esteve lá, na saúde e na doença.
O que chama atenção no passado recente, no entanto, é que a Microsoft vinha mostrando sinais de uma volta por cima. Nos últimos 6 anos, a empresa comprou diversos estúdios de prestígio, incluindo grandes publishers como a Zenimax, da Bethesda, e agora a Activision Blizzard.
Tudo caminha para que a primeira grande safra de games de peso, junto com os já lançados Forza Motorsport e Starfield, deem frutos para uma bem-sucedida estratégia de médio a longo prazo. Entretanto, com a nova abordagem multiplataforma, os anos de espera parecem mais um balde de água fria.
No passado, Satya Nadella disse “se é sobre competição, nos deixe competir”, a respeito dos obstáculos criados pela Sony na compra da Activision Blizzard. Contudo, a nova abordagem parece desistir da competição sob o olhar dos fãs fervorosos (e fiéis).
A sensação, e bastante compreensível para quem é mais do que um mero consumidor, é que, quando a montanha foi finalmente escalada, não há pote de ouro para resgatar no fim da jornada. Aliás, timing e comunicação parecem ser os maiores problemas do Xbox nos últimos tempos.
Até agora, os rumores não foram desmentidos, o que acaba dando mais força a eles. Não só isso: o líder da divisão, conforme mencionado, marcou um evento para falar sobre mudanças de negócio e “futuro do Xbox”. Claro, nenhuma marca está sujeita a acelerar anúncios por conta de vazamentos ou boatos que circulam por aí, mas a realidade é que os jogadores de Xbox estão descontentes em estarem no escuro nesse momento.
De forma cômica, como apontado por muitos fãs, o PlayStation acabou de ter um State of Play sem informações de nenhum exclusivo first-party (somente exclusivos third party deram as caras), mas, sem querer, ganhou um “reforço” de diversos jogos do Xbox que podem chegar por lá. E esse é um dos problemas que pega os fãs: é uma estratégia que fortalece o concorrente, não a concorrência, na percepção pública.
Em games de live service do Xbox, como Sea of Thieves, a mudança de modelo de negócios faz sentido, já que, quanto mais pessoas jogando, melhor. Mas em títulos exclusivos singleplayer, isso acaba levantando dúvidas nos fãs: afinal, se tudo chega para o PlayStation e potencialmente ao Switch, qual é o valor de ter um Xbox agora?
Xbox pode ser uma publisher melhor
Apesar das previsões apocalípticas e descontes dos fãs em relação à nova estratégia, ela talvez não seja tão ruim quanto parece. Na verdade, talvez nem seja ruim de forma alguma. No passado, a Microsoft já abriu a distribuição de seus títulos para PC e também teve uma repercussão cautelosa por parte dos fãs. E, no fim, foi benéfico.
No passado recente, a Sony também vem investindo em trazer ports de seus jogos para PC. É importante saber enxergar as entrelinhas: lançar games para outras plataformas não é sobre oferecer acessibilidade e ajudar os jogadores, mas sim sobre aumentar a receita numa área bem custosa de atuar.
A realidade é que o Xbox tem uma conta bem grande para pagar neste momento. Além de não ter a maior fatia do mercado de consoles, a base do Game Pass não está nem perto de crescer na proporção esperada pela Microsoft, conforme vimos nos últimos relatórios fiscais, e a compra da Activision Blizzard foi a mais cara da indústria de tecnologia.
No futuro focado em software (e em nuvem) que a empresa pinta há um tempo (e não só para o Xbox), tudo está alinhado. Em um cenário de difícil crescimento para a marca, ter uma fonte de renda extra certamente não é ruim, mas tudo depende de como a companhia vai abordar essa estratégia.
Claro, ter jogos do Xbox saindo para computadores é uma coisa, já que PC é quase a “Suíça dos jogos”, um solo neutro, mas ter títulos nas plataformas concorrentes é um assunto mais delicado. Afinal, qual é a vantagem de possuir um Xbox se um PlayStation vai ter todos os seus próprios jogos exclusivos e também os da Microsoft?
A resposta talvez seja mais simples e óbvia: vai depender caso a caso qual jogo terá lançamento multiplataforma, além de ter exclusividade temporária sobre o concorrente e um trunfo enorme chamado Game Pass.
Afinal, mesmo que Indiana Jones ou Starfield cheguem ao PlayStation, ou Hi-Fi Rush e Sea of Thieves estejam no Nintendo Switch, esses títulos já estão no Xbox há um tempo e a Microsoft ainda teria uma vantagem enorme de oferecer seu ecossistema e serviço com todas essas estreias antecipadas e sem custo adicional para os assinantes.
Muito se discute sobre o modelo atual de negócios da Microsoft, com muitas teorias de que os games têm menos investimento e valor no orçamento para caber no escopo do “modelo Game Pass”.
Caso existam vendas fora do ecossistema Xbox, a companhia pode voltar a ter um estilo de publisher tradicional. Maior estabilidade financeira, maior investimento nos jogos: dessa maneira, os mais de 200 milhões de jogadores de plataformas concorrentes são potenciais consumidores.
Tudo segue bastante incerto e ainda teremos que ver como essa estratégia, que sequer foi confirmada oficialmente, vai funcionar. Certamente, não apostaria que o Xbox deve seguir o rumo da SEGA, largando o mercado de consoles e se focando apenas em software e serviços.
Apostaria na estratégia de consoles continuando, especialmente por conta da comissão de softwares vendidos por lá, algo que está bem aliado ao Game Pass: jogos que saem do catálogo têm descontos e incentivos de compra, além de qualquer microtransação nesses títulos garantirem uma porcentagem do valor à empresa.
Claro, essa abordagem e mudança de modelo de negócios não vem sem riscos: se o produto perder o seu propósito e a base de consumidores diminuir, é cada vez mais arriscado gastar tempo e recursos para desenvolver games para o Xbox, algo que pode acabar prejudicando a divisão de jogos no segmento de hardware.
Pessoalmente, creio que ela tem mais chances de ser benéfica à companhia neste momento se feito de um jeito razoável. Agora, resta saber se também vai ser algo benéfico aos fãs da marca.
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