Filme do Gran Turismo é melhor do que você poderia esperar
Com boas atuações e corridas emocionantes, adaptação funciona “sozinha” e não decepciona
daptações de games para filmes e vice-versa até conseguiram amenizar a “maldição” que sofrem por transitarem de mídia, imagem essa que foi construída ao longo da história e que, infelizmente, se convencionou no entretenimento. Gran Turismo está sujeito ao mesmo risco que todos.
Após décadas de má fama, a indústria tenta, agora, se redimir dessas duvidosas transições. Obras recentes mostram êxito nesse sentido: a série de The Last of Us (HBO) e o filme de Super Mario Bros. nos fizeram morder a língua com grandes tributos, boa história e ótimas atuações em relação à origem nos games.
A barra de desconfiança pode subir um pouquinho mais quando falamos de um longa baseado numa franquia de corrida. Que direção dar à trama? Como pensar num roteiro que funcione para personagens que conversam num dialeto tão específico? E, sobretudo, como fazer isso trazendo referências dos jogos?
Gran Turismo é um forte postulante a endereçar essas questões.
Gran Turismo: de jogador a corredor
Baseado na trajetória real do britânico Jann Mardenborough, hoje com 31 anos, o filme retrata o cotidiano do rapaz como jogador e fã de Gran Turismo no PlayStation.
Sem grandes perspectivas de trabalho, o jovem convive com mãe, irmão e um pai cético em relação a videogames. Até que uma oportunidade promovida pela Sony em parceria com a Nissan bate à porta: as empresas organizam uma série competições do jogo para selecionar os mais habilidosos e, quiçá, transformá-los em pilotos profissionais.
A história não enrola para dar início a uma clássica jornada de superação e sonhos.
Direção e elenco: acertos
A direção do longa ficou a cargo de Neill Blomkamp, que geralmente assume a cadeira de aclamadas ficções científicas (como Elysium e Distrito 9) mescladas a algum drama filosófico, distinguindo-se pelos personagens marcantes e as dissertações sobre o comportamento da sociedade.
Sem o mesmo apelo futurista – mas fortemente tecnológico –, o cineasta acerta na escalação do elenco e na química entre eles: David Harbour (o Hopper de Stranger Things) é Jack Salter, o treinador dos pilotos e típico técnico rigoroso, por vezes ardiloso, dos aprendizes, alternando entre o sarcástico e o professoral.
Já Orlando Bloom (o eterno Legolas, de Senhor dos Anéis) encarna Danny Moore, o profissional de marketing da empreitada organizada por Sony e Nissan.
Pensando mais na performance comercial e de imagem do que nas corridas em si, o ator mostra boa versatilidade dramática em suas incursões com Harbour, afinal, ambos destoam de personalidade, fazendo o clássico contraste emocional-racional (Harbour e Bloom, respectivamente).
As subtramas intercalam a história principal com toques de romance e alívios cômicos que não exageram para não desprender o espectador do show: as corridas
Em seu primeiro papel como protagonista, Archie Madekwe (de Midsommar) veste o macacão que o catapultou de mero jogador/fã a piloto profissional patrocinado pela Nissan.
Drama, espetacularização de corridas e ritmo
Algumas subtramas intercalam a história principal com toques de romance e alívios cômicos que buscam não exagerar na dose para não desprender o espectador do show, que apresenta a típica jornada do herói, isto é, um “predestinado” que deve provar seu valor da base da sociedade até o topo de um sonho, perpassando os típicos obstáculos físicos e psicológicos que essa fábula envolve.
Embora o roteiro de Gran Turismo se esforce para que isso ocorra sem prejudicar o ritmo – e, na maior parte do tempo, consegue –, alguns intervalos dão espaço a diálogos descartáveis ou estereótipos desnecessários, como postulantes a antagonistas que ensaiam sua existência só para fazer charme, sem complementar muito ao drama central.
Como a rivalidade se dá entre jogadores de videogame, há um certo conflito de egos rotulados em pessoas mimadas ou arrogantes que, em última instância, se tornam esquecíveis ou passageiras demais.
As corridas em si, por sua vez, representam o ápice de entretenimento que a experiência audiovisual oferece, especialmente se você assistir no cinema – o que fortemente recomendo.
No melhor estilo espetacularizado que Neill Blomkamp provou executar com maestria em sucessos como Distrito 9 e Elysium, as disputas de Gran Turismo são de tirar o fôlego, cheias de efeitos visuais e sonoros que remetem à franquia do PlayStation e deixam o espectador na ponta da cadeira.
Aqui, David Harbour, mantendo uma certa similaridade do estilo “xerife bocudo” de Stranger Things, carrega a tocha de adrenalina com intensas atuações de um treinador que quer, aos berros, ver o seu pupilo brilhar – e você vai torcer junto com ele em vários momentos.
Vale o ingresso?
Sim, de boca cheia. Não há dúvidas de que, visto no cinema, Gran Turismo entrega entretenimento de primeira. Mesmo que você não tenha a menor conexão com os jogos ou, indo além, com o gênero de corrida, o bom e velho mantra “não desista de seus sonhos” deve ser suficiente para te manter engajado no filme do começo ao fim.
Tudo nele funciona sozinho: o roteiro preocupado com o ritmo e acessibilidade do público, a interação entre os personagens, as boas atuações e, é claro, a emoção das corridas, entremeadas por uma história de amor e algumas piadocas pelo caminho.
Como a adaptação é baseada numa história real, a mensagem se torna ainda mais forte, especialmente no último terço do longa.
Num mundo em que nada deu certo no filme de Need for Speed (2014), protagonizado por ninguém menos que o Aaron Paul pós-Breaking Bad, Gran Turismo é, definitivamente, uma grata surpresa – despretensiosamente ou não.
O título estreia no dia 24 de agosto em cinemas de todo o Brasil.
O Flow Games foi gentilmente convidado pelos times da PlayStation Brasil e da Sony Pictures Brasil para assistir ao filme antecipadamente.
Gran Turismo
Publisher: Sony Pictures
Desenvolvedora: PlayStation Productions
Plataformas: Cinema
Lançamento: 24/08/2023
Tempo de review: 2h15
Gran Turismo aposta em corridas emocionantes para entregar ótima experiência audiovisual e funciona bem como drama, independente dos jogos
Prós
- Corridas emocionantes de deixar na ponta da cadeira
- Boas atuações (com destaque a David Harbour)
- Funciona sozinho, independente da conexão com o jogo
Contras
- Partes das subtramas são descartáveis
- Ensaio desnecessário de postulantes a antagonistas
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